Uma equipa de investigadores europeus alcançou um feito notável ao observar diretamente o movimento quântico de ponto zero numa molécula complexa, pouco antes de esta se desintegrar sob um feixe de raios X de alta potência. O movimento de ponto zero, as vibrações quânticas mínimas de um sistema, tem sido um conceito teórico difícil de apreender diretamente, especialmente em moléculas complexas. A descoberta, publicada na revista Science, abre novas perspetivas para a manipulação do comportamento quântico das moléculas, com potencial para revolucionar áreas como a ciência de materiais, a farmacologia e a computação quântica.
Utilizando uma molécula de 2-iodopiridina, os cientistas bombardearam-na com pulsos de raios X ultracurtos e intensos no European X-ray Free Electron Laser (European XFEL) perto de Hamburgo. A energia fornecida removeu eletrões da molécula, carregando-a intensamente e causando repulsão imediata entre as suas partes, levando à sua desintegração em fragmentos. Ao analisar a trajetória e a orientação destes fragmentos, os cientistas conseguiram reconstruir a forma e o movimento interno da molécula no momento exato da sua rutura.
Para capturar esta explosão molecular em detalhe, os investigadores empregaram o sistema COLTRIMS (Cold Target Recoil Ion Momentum Spectroscopy). Este aparelho é capaz de rastrear simultaneamente múltiplas partículas carregadas com precisão temporal extrema, medida em femtossegundos (um quatrilionésimo de segundo). Esta tecnologia permitiu a criação de uma imagem tridimensional completa da estrutura molecular, revelando que os fragmentos não se separaram de acordo com a geometria planar esperada, mas exibiram distorções subtis, indicativas de um movimento coordenado e não aleatório.
O movimento observado foi característico da mecânica quântica, um fenómeno conhecido como movimento quântico coerente. Esta vibração não é resultado do acaso, mas de uma coordenação interna ditada pelas leis quânticas, distinguindo-a das vibrações térmicas comuns. Markus Ilchen, autor principal do estudo, descreveu este fenómeno como "um tremor que não é caos, mas um balé orquestrado na escala atómica". A descoberta foi corroborada por simulações computacionais avançadas, onde apenas modelos que incorporavam efeitos quânticos reproduziram com precisão os dados experimentais.
A pesquisa, liderada por Rebecca Boll, Ludger Inhester e Till Jahnke, destaca a importância do princípio da incerteza de Heisenberg, que garante que átomos e moléculas nunca param completamente, mesmo no seu estado de menor energia, caracterizado por flutuações persistentes. A capacidade de observar estas flutuações quânticas em moléculas complexas representa um avanço significativo na imagiologia molecular, oferecendo uma janela sem precedentes para os mecanismos que regem a estabilidade e a reatividade molecular.
Um achado notável desta pesquisa é a demonstração de que os átomos numa molécula como a 2-iodopiridina, composta por onze átomos, não vibram isoladamente. Em vez disso, seguem padrões coletivos, semelhantes a dançarinos numa tropa executando uma rotina rigidamente sincronizada. Enquanto moléculas mais simples possuem apenas algumas dezenas de modos vibracionais, a 2-iodopiridina exibe um repertório completo de 27 modos distintos, que vão desde movimentos graciosos a outros mais enérgicos. Esta complexidade vibracional é fundamental para entender como as moléculas se comportam no nível quântico.